12 março 2011

“a polícia não quer que eu sambe aqui
aqui mesmo eu vou sambar”

ouvi dizer que o carnaval morreu. que o branco tomou conta, e quando o branco toma conta, já se sabe, a conta fecha no vermelho para o negro. o negro da bahia ou carioca, da macumba ou dos santos e anjos, de ilhéus de vila maria do morro da mangueira ou de jubiabá. o carnaval, ouvi dizer, não é mais puro e belo e inocente como a flor. abadás custam fortunas, as negras têm chapinha no cabelo e das raízes não se vê rastro. até canção de cowboy doído de chifre pulula nos trios eletroeletrônicos e micaretas com alto teor etílico e baixa graça. habitada por gente simples e tão pobre que só tem o céu que a todos cobre, como pôde a displicência insolente do samba se deixar cercar do loiro cachê da rede de tevê?

quando o kolombolo diá piratininga saiu na frente do centro cultural rio verde, bem no meio da babilônia, foi como ver ressuscitar a manifestação verdadeira do festejo. um outro tipo de celebração. quase 200 pessoas recusaram por algumas boas horas a versão oficial da elite, ainda que elitizadas elas próprias, pois ali reinou o caos e o suor e a malícia, os mesmos que moviam quadris dos negros de outrora. os primeiros. moderninhos, bichos-grilos, indies, universitários, mendigos, celebridades do hype e senhores e senhoras curiosos ensaiaram um maracatu anárquico e eu, testemunha e fluxo sanguíneo, notei abismado um catador de latinhas se instalar à frente do bloco e guiá-lo – por que não? – até o fim da rua. e de volta. o movimento fluiu como entidades até deflagrar gracioso algumas esquinas a nordeste dali, onde tambores dos maracaduros invocavam arrepios. gracejos de força bruta.

“isso é estar dentro do carnaval”, disse a princesa. respondi que era preciso ouvir o chamado escravo dentro de nós. há um lamento negro no peito de cada brasileiro, mesmo os mais cândidos de pele. ele deve ser ouvido com reverência e sacanagem. é preciso, meu amigo, é preciso resgatar o indecente e o caótico e impedir que matem o carnaval cerrando-o em grades, programações, cifrões. sem regras. ou poucas: só vale puxar o bloco homem de saia e mulher de bigode!

Um comentário:

débora disse...

ah meu deus, que maravilha de texto. que deleite. que deleite!